A já nada fácil vida da indústria brasileira ainda sentirá nos próximos meses do ano os efeitos da falta de equilíbrio entre oferta e demanda de um insumo vital para as nossas linhas de produção: o aço. Uma nova avaliação divulgada nesta semana pela S&P Global Platts revelou o tamanho do impacto das sucessivas altas de preço no insumo. Só o aço plano já acumula um sonoro e salgado aumento de impressionantes 150% nos últimos 12 meses. Já o valor da bobina laminada a quente subiu 69% entre janeiro até agora. “A Platts não realiza projeções, mas analisando as conjunturas atuais, é possível visualizar que o preço do aço deve continuar firme até pelo menos o início do último trimestre, se a situação de descompasso entre oferta e demanda persistir“, avaliou a editora-chefe da América Latina – Metais da S&P Global Platts, Adriana Carvalho, que afirmou ainda que “o preço do aço no Brasil está em níveis recordes”. A especialista comentou com o Petronotícias que além do descompasso entre a oferta e demanda no mercado doméstico, que ainda persiste, a disparada de preços no mercado internacional, tanto para produtos de aço como para matérias-primas, tem contribuído para a manutenção dessa tendência de alta no valor do produto. “É possível que vejamos uma normalização entre oferta e demanda apenas no fim do ano, quando há sazonalmente uma redução de demanda, ou se houver algum volume significativo de importação de aço para equilibrar os estoques da cadeia“, projetou. Adriana também falou sobre a alternativa de importação do aço e fez uma rápida leitura sobre como o setor siderúrgico deveria agir para equilibrar o mercado novamente.
Primeiro, apenas para contextualizar nossos leitores, poderia nos apontar os principais resultados levantados pela S&P Global Platts sobre o preço do aço brasileiro? Qual tem sido o tamanho do reajuste no produto em maio e nos últimos 12 meses?
O preço do aço no Brasil está em níveis recordes, puxado por uma escalada que teve início em junho de 2020, quando da reativação da economia e do comércio pós-pico da pandemia no país no ano. Naquele momento, muitos esperavam por uma retração forte na demanda de aço, o que motivou siderúrgicas a abafarem fornos, reduzirem ritmo de produção, num momento em que a cadeia já estava bem desestocada. Quando a demanda se mostrou presente, não foi possível realizar uma retomada de produção imediata, o que agravou o desabastecimento local e converteu-se numa crise de estoque. Com pouca oferta, e demanda firme, preços subiram mês a mês e fecharam 2020 com altas de 60% a 70%, dependendo do produto.
A tendência não se reverteu em 2021. Do início do ano até agora, o preço da bobina laminada a quente – material utilizado por grandes indústrias de transformação, como o setor automotivo – subiu 69%, e 16% somente em maio.
Para o vergalhão de aço, insumo principal do setor de construção, o acumulado do ano é de 23%, com possibilidade de aumentos em maio da ordem de 15%.
Nos últimos 12 meses, o aço plano acumulou alta de preço superior a 150%, enquanto o vergalhão da ordem de 100%, segundo as avaliações da S&P Global Platts.
Qual sua avaliação dos principais fatores que estão resultando nessa disparada do preço?
Além do descompasso entre a oferta e demanda no mercado doméstico, que persiste, a alta de preços no mercado internacional, tanto para produtos de aço como para matérias-primas, tem contribuído para a manutenção dessa tendência.
A competição no mercado internacional influencia nos preços locais, tanto no momento da decisão das usinas siderúrgicas de exportarem seus produtos, como da decisão dos consumidores de importarem o material para o Brasil.
Como referência, a bobina laminada à quente na China subiu 153% nos últimos 12 meses, e 17% no último mês, em virtude das notícias de que retirou os estímulos à exportação e de que continuará focada em atender o mercado interno. Os mercados futuros ainda apontam para uma tendência de alta para os próximos meses e isso deve reverberar no Brasil.
Nos últimos cálculos realizados pelos analistas Platts, o produto brasileiro está atualmente em torno de 4% mais caro que o produto importado, o que é uma nível considerado saudável e competitivo pelas usinas, e o que não estimularia uma importação. Essa situação estimula mais aumentos de preços internamente.
Ainda assim, importante ressaltar o aumento dos custos produtivos das usinas. O minério de ferro com 62% de Fe – IODEX PLATTS – subiu em torno 46% somente este ano chegou a $233.10/dmt no dia 12 de maio. A sucata ferrosa interna também triplicou o valor nos últimos 12 meses e o carvão importado também encareceu.
O mercado do aço está com esse desalinhamento entre demanda e oferta desde o ano passado. Na avaliação da S&P Global Platts, quando essa situação deve se normalizar?
Se compararmos dados de produção e consumo, divulgados pelo Instituto Aço Brasil, é possível visualizar um déficit de produção desde junho do ano passado. De junho de 2020 a março de 2021, o déficit acumulado totalizou 981 mil toneladas, já que o consumo aparente atingiu 20,41 milhões de toneladas, contra 19,42 milhões de toneladas da produção.
Estima-se que boa parte da produção das siderúrgicas estejam vendidas até o fim do ano, a analisar os tempos de entrega em vigor e os pedidos ainda a serem entregues. É possível que vejamos uma normalização entre oferta e demanda apenas no fim do ano, quando há sazonalmente uma redução de demanda, ou se houver algum volume significativo de importação de aço para equilibrar os estoques da cadeia.
A indústria de óleo e gás (e outros setores da economia) estão sofrendo com a alta recente nos preços do aço. O que essa indústria deve esperar em relação aos próximos meses em relação ao preço do aço e como deve se preparar para enfrentar esse cenário?
A Platts não realiza projeções, mas analisando as conjunturas atuais, é possível visualizar que o preço do aço deve continuar firme até pelo menos o início do último trimestre, se a situação de descompasso entre oferta e demanda persistir, e ainda, puxado pelas tendências internacionais. Lembrando que a questão de oferta apertada é global, não restrita ao Brasil.
Existe uma solução de curto ou médio prazo que poderia amenizar a atual situação?
Aumento na produção local, pois há ainda muita capacidade ociosa, ou um equilíbrio com material importado. Mas a decisão de subir a produção em meio a um cenário incerto e volátil é difícil e compreensível na posição das siderúrgicas.
E quanto à possibilidade de importação, principalmente com os recentes movimentos da China (devolução fiscal às exportações de aço e redução das tarifas de importação à insumos importantes)? Trazer aço de fora será uma opção viável para a indústria brasileira?
Os preços do aço internacional também estão elevados e sujeitos à extrema volatilidade e uma decisão de compra de material importado com entrega em três meses, ainda é um movimento arriscado, devido ao não controle e previsibilidade do câmbio, frete e os preços em si do material no momento da chegada. Por outro lado, garantir a entrega do material em um momento de oferta limitada, pode trazer previsibilidade para a continuidade de projetos e contratos.
O governo poderia ajudar de alguma forma a equilibrar novamente os preços ou o mercado deverá encontrar uma solução sozinho?
O governo deve sempre buscar favorecer a isonomia de mercado.