Após um ano desafiador, mercado está otimista para 2024 — sentimento reforçado pela queda nas taxas de juros e expectativa por um novo ciclo imobiliário

O otimismo deve predominar no mercado da construção civil em 2024, tomando o lugar da sensação de “poderia ser melhor” que marcou 2023. O ano que começou com transição no Governo Federal — sempre acompanhada de incertezas — e taxa de juros em 13,65%, acaba com quatro cortes consecutivos na Selic (que agora está em 11,75%) e expectativa por um novo ciclo imobiliário comandado por programas públicos, como o Minha Casa Minha Vida.

Dados apresentados pelo SindusCon-SP, em coletiva realizada no último dia 06 de dezembro, indicam que a construção civil fechará 2023 com crescimento de 1,2% — sendo que no início do ano a projeção era de um avanço de 2,4%. A diferença pode ser explicada pela retração no segmento de autoconstrução e pequenas obras, que teve um boom em 2020 com as adequações residenciais motivadas pela pandemia, mas que vem desacelerando desde 2021.

Esse desempenho ruim foi mitigado, em parte, pelo mercado comandado pelas incorporadoras e construtoras. Ainda segundo números do SindusCon-SP, as obras de infraestrutura tiveram aumento de 4,5%. Outro destaque é a criação de empregos com carteira assinada, com alta de 6,8% entre janeiro e outubro (mesmo em um cenário de falta de mão de obra qualificada).

Já na avaliação da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a indústria deve fechar 2023 com queda de 0,5% — resultado bem diferente do crescimento de 2,5% projetado no início do ano. O desempenho sofreu impacto significativo das altas taxas de juros registradas em um período de muitos meses, na opinião de Ieda Vasconcelos, economista da entidade.

“Quando a economia de um país apresenta taxas de juros elevadas é inevitável que isso tenha um custo, manifestando-se na desaceleração de diversos setores produtivos. A conta dos juros altos na economia chegou para a construção civil”, afirmou a especialista em coletiva realizada pela CBIC no último dia 08 de dezembro. Além da taxa de juros, também colaboraram para o resultado, na avaliação da entidade, a demora no anúncio para as novas condições do Minha Casa Minha Vida, a incerteza do cenário macroeconômico e a redução das pequenas reformas.

Em relação aos custos, em 2023 houve estabilidade de acordo com o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC). Calculado pela Fundação Getulio Vargas, o indicador soma alta de 3,10% entre janeiro e outubro. Porém, na avaliação de Vasconcelos, os valores estão estáveis em um patamar elevado. “De julho de 2020 a novembro de 2023, o custo com materiais já aumentou quase 52%, enquanto o custo da mão de obra cresceu quase 30%. E o INCC total também apontou elevação de 37,28%. Considerando os últimos dados divulgados, o IPCA/IBGE acumulou alta de 26,13% de julho de 2020 até outubro de 2023”, destaca a economista.

O que esperar da construção civil em 2024?

Com o encerramento de um ano que frustrou as expectativas, como esperar resultado melhor em 2024? “O setor conta com uma redução significativa de juros somada à menor volatilidade dos custos dos materiais de construção e o apoio aos programas de habitação governamentais, como MCMV, PAC, Casa Paulista e Pode Entrar”, lista Yorki Estefan, presidente do SindusCon-SP. Além disso, há uma tendência de crescimento nos investimentos para obras de infraestrutura. Assim, a estimativa da entidade é que a construção civil alcance alta de 2,9% em 2024.

Já a CBIC prevê um crescimento de 1,3% para a indústria da construção em 2024. Renato Correia, presidente da entidade, tem percepção semelhante à de Estefan ao enumerar os principais fatores que devem favorecer o setor no próximo ano: a continuidade no processo de redução da taxa de juros, o avanço do Programa de Aceleração do Crescimento e o progresso esperado no mercado econômico a partir de um novo ciclo do Minha Casa Minha Vida.

De acordo com Ieda Vasconcelos, a construção gerou quase 254 mil novas vagas nos primeiros 10 meses deste ano. Apesar de o número ser o menor nos últimos três anos, é o terceiro maior desde 2012. “O ritmo das atividades e a abertura de vagas demonstram a enorme contribuição da construção para a economia brasileira. É importante lembrar que as vendas de ontem, refletem no emprego de hoje. Estamos sentindo o impacto de obras que iniciamos nos últimos dois anos, devido ao processo produtivo longo, característica básica do setor”, analisa Correia.

Para Estefan, a ausência de mão de obra qualificada deve ter seu impacto reduzido no próximo ano. Isso porque os cerca de 250 mil empregos criados em 2023 resultam em profissionais que estão em treinamento e podem ajudar a suprir essa carência. O presidente do SindusCon-SP indica, ainda, que o momento é ótimo para se adquirir um imóvel por conta da diminuição de lançamentos (fazendo com que as vendas atuais sejam de unidades de estoque). Com juros bancários menores, as vendas imobiliárias tendem a acelerar e incentivar futuros lançamentos.

Outros pontos de destaque são a reforma tributária, que com tratamento especial para o setor da construção trará benefícios quando implantada, e o esforço pela produtividade no mercado. Por outro lado, é preciso atenção com o fim da desoneração sobre a folha de pagamentos. “O que deverá onerar os imóveis já vendidos. Haverá um acréscimo de custos a ser repassado para as unidades imobiliárias, que poderá resultar em uma queda da demanda”, enfatiza Estefan.

Estudo elaborado pela CBIC demonstra que o fim da desoneração da mão de obra pode fazer com que o estado de São Paulo enfrente um aumento do custo da mão de obra de quase 14%. Enquanto no Rio de Janeiro a porcentagem seria de quase 13% e em Minas Gerais, de 11%. “A CBIC tem atuado na defesa da derrubada do veto. O setor está freando suas atividades e precisa de estímulo e não o contrário. O Brasil tem carência habitacional, de saneamento e infraestrutura, precisamos seguir atentos com as consequências dessa decisão”, alerta Correia.

Preocupação levantada por Vasconcelos é a baixa taxa de investimentos no Brasil, que no terceiro trimestre de 2023 foi fixada em 16,6% — número abaixo da média mundial. “Quanto menor a taxa de investimento, maior a dificuldade de o país crescer de forma sustentada. Para a construção civil avançar, o Brasil precisa fortalecer a sua taxa de investimento”, ressalta.

Expectativas das construtoras e incorporadoras

Entre construtoras e incorporadoras também há um sentimento de confiança para 2024. Em entrevista ao Portal AECweb, Milton Meyer, presidente executivo da MPD Engenharia, afirmou que espera um mercado imobiliário ainda mais aquecido. “Com o distanciamento da pandemia e a superação da crise logística global, os consumidores se sentem mais seguros ao fazer suas aquisições. Portanto, a previsão é que a demanda por moradias continue elevada”, destacou.

“As incorporadoras já possuem terrenos que permitem o lançamento de empreendimentos variados, desde os mais simples até os mais luxuosos, de acordo com o perfil de cada empresa e de seus respectivos clientes. Esperamos encerrar 2023 com quase 4 mil clientes ativos”, comenta Meyer. Com futuros lançamentos já programados, a MPD Engenharia pretende finalizar o próximo ano com uma carteira variando entre 5,5 mil e 6 mil clientes ativos.

Tal otimismo também está presente na MBigucci Construtora, que planeja lançar três novos empreendimentos dentro do Minha Casa Minha Vida. “Era esperada a retomada do programa, afinal é uma marca do governo atual. Nos últimos anos houve um recuo, entretanto, nós nunca deixamos de produzir, porém em menor volume”, detalhou o engenheiro Milton Bigucci Junior, diretor Técnico e de Energia Sustentável da companhia, em entrevista para o Portal AECweb.

Em relação ao programa habitacional do Governo Federal, mesmo as empresas que não atuam nesse segmento enxergam a sua importância para o crescimento da construção. “Observamos que essa retomada aquece o mercado e impulsiona a economia. Com mais recursos circulando, toda a cadeia é beneficiada, desde imóveis compactos até os de alto padrão”, afirma Meyer.

Ambos os profissionais reforçam a importância da diminuição da taxa básica de juros para que os resultados de 2024 sejam, de fato, positivos. “A redução da Taxa Selic é fundamental para o crescimento do setor acima dos atuais índices de estabilidade. A queda já se iniciou e, a continuar esse movimento, estimamos chegar a patamares que vão alavancar ainda mais as vendas de imóveis. A taxa ideal seria algo entre 5% e 7% ao ano”, opina Bigucci Junior.

“A elevação das taxas de juros tem impacto direto no mercado, pois o poder de financiamento do consumidor diminui devido ao comprometimento da renda mensal. Por exemplo, um financiamento de R$ 300 mil com uma taxa de juros de 7% ao ano tinha uma parcela de cerca de R$ 2.950. Hoje, esse mesmo valor financiado a uma taxa de 11% ao ano resulta em uma parcela de, aproximadamente, R$ 4.000. No segmento de alto padrão não observamos muitas restrições na aquisição do imóvel em relação às taxas de financiamento”, detalha Meyer.

O que esperam os fornecedores de materiais

O mercado de fornecedores de materiais também sentiu os desafios que marcaram 2023. Eros Canedo, CFO da startup Juntos Somos Mais — joint venture entre as multinacionais Votorantim Cimentos, Tigre e Gerdau —, afirma que as projeções mais otimistas esperam um crescimento modesto do PIB do setor neste ano. “O último relatório Focus aponta para um aumento de 2,84%”, diz o executivo, indicando que para 2024 o mesmo documento prevê avanço de 1,50%.

Para ele, mesmo as notícias mais positivas do mercado econômico deste ano devem tardar a chegar no segmento. “É verdade que a queda de juros deve baratear linhas de financiamento de imóveis, mas o setor da construção tem uma defasagem em relação ao movimento da Selic. Como a taxa básica ficou alta por muito tempo, houve uma restrição no número de novos lançamentos. A performance do segmento, mesmo que modesta em 2023, ainda é um reflexo positivo de lançamentos de anos anteriores, com a Selic em baixas históricas”, explica.

Trabalhando de maneira muito atenta em 2023 — analisando mês a mês os resultados e o comportamento do setor —, a Saint-Gobain Produtos para Construção fortaleceu neste ano a sua história de tradição em frentes de contato com o mercado, bem como os serviços e comunicação. “Confiando fortemente que mesmo diante de um cenário um pouco mais adverso estaremos ao máximo próximos e assim apoiando nossos clientes e o mercado”, afirma Vinicius Milhomem, Diretor de Marketing na Saint-Gobain Produtos para Construção.

Para o ano que vem, a expectativa de Milhomem é otimista. “A combinação de concessões para geração de obras e a taxa de juros sob controle aquecerá ainda mais o setor. Desta forma, a tendência é que a construção civil siga sendo um dos motores da economia nacional em 2024. Além disso, atender as demandas do público e construtoras em inovações tecnológicas e sustentabilidade é fundamental para garantir as expectativas e avanço do mercado”, salienta.

Na opinião de Juliana Carsoni, CEO da Juntos Somos Mais, o ano de 2024 trará oportunidade para que as empresas invistam em tecnologia e prepararem terreno para uma recuperação de médio e longo prazo, com a digitalização de toda a cadeia da construção. “Acreditamos firmemente que a tecnologia será cada vez mais fundamental para destravar os processos na indústria civil, agilizar as operações e baratear custos do nosso mercado de construção”, avalia.

De acordo com Carsoni, o avanço na digitalização de todo o ecossistema e a entrada de varejistas e marcas da indústria no e-commerce, por meio de marketplaces, deve impulsionar as vendas de materiais de construção e apoiar a recuperação do setor. “Em um momento de recuperação econômica e barateamento das linhas de financiamento do setor, a tecnologia assume, mais uma vez, o papel de facilitadora e mediadora das relações dos agentes da construção civil, impactando diretamente no faturamento do segmento”, comenta.

O papel da digitalização

Pensando no que deve ser tendência no mercado da construção em 2024, no último dia 05 de dezembro, as empresas do Ecossistema Tecnológico da Indústria da Construção by Sotfplan se reuniram em um webinar para debater o assunto. O encontro contou com representantes da Construmarket, Sienge, Prevision, Refera e CV CRM. A digitalização também foi mencionada como uma das principais apostas pelo grupo de especialistas durante o evento online.

“Mais de 80% dos profissionais da construção civil têm o convencimento de que as tecnologias digitais melhoram o canteiro de obras e os edifícios construídos. Nesse cenário, a oferta de plataformas para comunicação, compartilhamento de documentos, gerenciamento e colaboração têm se diversificado”, afirmou Jorge Alvarez, CEO da Construmarket, destacando também a maior integração entre sistemas e o aumento na mobilidade por conta dos smartphones. “Essa soma constitui um território inclinado à digitalização. Essa é uma tendência mundial e se espera um salto grande de transformação para o ano de 2024”, complementa.