O avanço da possibilidade de troca de governo animou gestores de recursos a reduzir a postura defensiva nos fundos de ações e começar a se posicionar em empresas com maior exposição à economia doméstica. O setor de infraestrutura é o mais citado como atraente para uma exposição de longo prazo. Companhias de varejo também voltam a entrar no mapa de alocação desses gestores, que administram R$ 145 bilhões em carteiras de ações.

Gestores de longo prazo, que evitavam até então falar sobre temas políticos e sustentavam discursos de reforço no caixa, assumiram teses mais otimistas depois de o impeachment ter sido aprovado na Câmara dos Deputados no domingo. Alguns já vinham montando posições nesse sentido, mas de forma cautelosa, via opções, e agora começam a se expor no mercado à vista. Entre as empresas com perspectiva de valorização na opinião deles aparecem Rumo Logística, Mills, CCR, EcoRodovias e Eletropaulo.

“O mercado vai começar a olhar não para 2016, mas para 2017 e 2018. E um setor que pode se recuperar bem é o de infraestrutura”, afirma Marcos Peixoto, gestor de renda variável da XP. O segmento não somente foi negligenciado nos últimos anos por um foco mais forte no consumo, diz, como também ficou paralisado pelas investigações da Lava-Jato. “São setores que podem voltar a crescer, ter novos leilões, licitações e renovações de concessões”, defende. A XP dedicou 20% do portfólio de ações a empresas cujas teses estão diretamente associadas à aprovação de um impeachment.

O documento “Uma Ponte para o Futuro”, divulgado pelo vice-presidente Michel Temer com diretrizes do PMDB para retomar o crescimento da economia brasileira há cerca de seis meses, já é analisado pelos gestores como um eventual programa de governo. E o fato de o texto não ter sido submetido a um processo eleitoral é visto por alguns deles como uma vantagem, já que muitas das medidas podem ser impopulares. Um ponto específico da lista de pontos fundamentais do documento é citado como suporte à tese que começa a crescer nos fundos. Nele, o PMDB propõe uma política centrada na iniciativa privada, com “concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura”.

É com base no documento que Rodrigo Galindo, gestor de ações da Flag Asset, vê os setores elétrico, de concessões rodoviárias e portos como oportunidades. “Tendo regras claras, infraestrutura principalmente é um setor que pode se beneficiar, porque vai ter um fluxo de investimento”, diz o gestor, com passagem pelas equipes de ações do Banco Pactual e da Vinci Partners.

Também na Quest, com R$ 1,07 bilhão em fundos de ações, o gestor Alexandre Silverio abandona a postura defensiva e parte para os setores que sofreram mais nos últimos anos, ligados à economia doméstica, que no entendimento dele poderiam se beneficiar de uma melhora na percepção de risco. Ele cita siderúrgicas, fabricantes de bens de capital e o segmento de construção civil.

“Deve haver ainda uma tentativa de judicialização do processo pelo governo, o que pode trazer volatilidade aos mercados. Agora, na minha opinião, o passo que foi dado é praticamente irreversível”, afirma Silverio, que reduziu a parcela em renda fixa dos fundos de ações da Quest de 25% a menos de 10%, a fim de aumentar a exposição à bolsa. Os fundos de ações podem ter até um terço do patrimônio em caixa.

Mesmo empresas muito endividadas, que até então eram evitadas a todo custo, começam a aparecer no discurso dos gestores como potenciais beneficiárias de um cenário de Selic mais baixa. De fato, a perspectiva de troca de governo tem se refletido nos juros futuros, que espelham a expectativa do mercado para a taxa.

A possibilidade de troca de governo traz a perspectiva de menor intervenção do governo na economia com a escolha de setores a privilegiar, considera Fabio Motta, superintendente de renda variável da Western Asset, que aloca R$ 1,36 bilhão em fundos de ações no Brasil. “Isso tende a abrir espaço para uma melhor alocação de capital, que deve ter reflexos positivos no mercado acionário”, afirma.

Motta vê boas oportunidades à frente de montar posições mais ligadas ao consumo doméstico, em segmentos que penaram nos últimos anos. “O varejo, a construção civil, o setor industrial, toda a cadeia de fornecimento do setor automobilístico, que sofreram bastante, tendem a ter um desempenho bom quando vier pelo menos um sinal de recuperação da atividade econômica”, diz o gestor.

Daniel Utsch, gestor de renda variável da Fator Administração de Recursos (FAR), também vê as empresas mais expostas ao consumo doméstico, como as do segmento de shopping center, ganharem valor no novo cenário.

As exportadoras, que reinaram nos portfólios ao longo de 2015, como o segmento de papel e celulose, são as grandes vítimas dessa virada no portfólio. Ao mesmo tempo em que dão lugar à tese da economia doméstica pela perspectiva de crescimento econômico, elas sofrem com a possibilidade de valorização do real ou ao menos, caso o Banco Central evite esse movimento, a menor possibilidade de fortalecimento do dólar.

No radar dos gestores agora, decisivos para impor um reforço na exposição ao mercado doméstico no portfólio, estão, além da própria aprovação do impeachment no Senado, a redução do número de ministérios, a definição de uma equipe de ministros pró-mercado e a disposição do novo governo para aprovar reformas como a da previdência e do mercado de trabalho. No campo dos dados, os gestores estão atentos a ajustes nos indicadores de confiança, do empresário e do consumidor, tidos como os primeiros indícios de uma recuperação econômica. (Valor Econômico)