As enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul escancararam vulnerabilidades críticas da infraestrutura urbana e rural diante de eventos extremos. No Enegep 2024, Walter Collischonn, especialista em hidrologia da UFRGS, destacou a magnitude histórica das chuvas — mais de 700 mm acumulados em cinco dias em regiões chave da bacia do Guaíba — e comparou o evento a desastres internacionais como o furacão Harvey, nos EUA.

A geografia única do estado, com suas planícies que funcionam como “esponjas naturais”, ajudou a conter parcialmente os impactos. Sem esse efeito, Porto Alegre, por exemplo, enfrentaria cheias de até oito metros.

Contudo, a má gestão e as falhas estruturais anularam esse benefício natural. Collischonn apontou problemas graves, como diques incompletos, comportas quebradas e sistemas de bombeamento inoperantes, que permitiram a inundação de áreas urbanas teoricamente protegidas. Além disso, construções em áreas inundáveis — muitas vezes incentivadas por planejamentos urbanos permissivos — ampliaram o impacto humano e econômico do desastre.

Ele também alertou para a força destrutiva inédita das cheias, intensificada pela quantidade de sedimentos e troncos levados pelos rios após deslizamentos em regiões de encostas. O resultado foi uma devastação que atingiu centenas de residências e infraestruturas urbanas, causando deslocamentos massivos e perdas humanas.

Para Collischonn, os eventos recentes apontam para um cenário preocupante: as mudanças climáticas tendem a aumentar a frequência e a intensidade de chuvas extremas no Brasil. Este fenômeno, combinado com a saturação de bacias hidrográficas, evidencia a necessidade urgente de planejamento estratégico e investimentos em infraestrutura resiliente. Segundo ele, sem ações concretas, tragédias como essa poderão se tornar cada vez mais comuns, com impactos devastadores para comunidades vulneráveis e para o sistema logístico regional.

Operações humanitárias: preparação e resposta em foco

A complexidade das operações em desastres e a urgência de uma preparação mais robusta foi o foco de Adriana Leiras, especialista em logística humanitária, que participou da mesa-redonda no Enegep 2024. Ela criticou o termo “desastre natural”, já que a vulnerabilidade humana muitas vezes decorre de exposições evitáveis.

Adriana apresentou o ciclo das operações humanitárias, dividido em cinco fases essenciais:

  • Prevenção: evitar que o risco se instale.
  • Mitigação: reduzir impactos de desastres já instalados.
  • Preparação: planejar ações para cenários de crise.
  • Resposta: reagir rapidamente durante o desastre.
  • Recuperação: reconstruir as áreas afetadas.

Quanto aos desafios logísticos únicos de operações humanitárias, ela citou a dependência de doadores e a necessidade de coordenação eficiente para evitar desperdício e má distribuição de recursos. Tecnologias como drones, big data e inteligência artificial já são usadas para monitorar e responder rapidamente a crises.

A especialista lidera o primeiro Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil, que guiará a gestão de riscos no Brasil pelos próximos 10 anos, unindo esforços de 14 ministérios e centenas de municípios. “O sucesso depende da participação ativa de todos”, concluiu.