A Petrobras planeja ir às compras. Com a melhora de condições financeiras e a redução do endividamento (atualmente em R$ 361,5 bilhões), a estatal quer voltar a ter plataformas próprias e não mais alugar (afretar), como tem feito nos últimos seis anos. A petroleira começou a mapear a situação dos estaleiros brasileiros, que vivem hoje uma grave crise. O objetivo é programar encomendas de unidades necessárias para produção de petróleo a partir de 2022, informou ao GLOBO o diretor de Desenvolvimento da Produção e Tecnologia da Petrobras, Hugo Repsold.

Ainda não há definição sobre o número de embarcações que a estatal pretende adquirir, mas a construção total ou parcial das unidades no país deve ter impacto na economia e na indústria naval. Nas estimativas do mercado, o custo de um navio-plataforma (FPSO, na sigla em inglês) com capacidade de produção de 150 mil barris por dia é de US$ 1,5 bilhão no mercado internacional.

Para a indústria naval, pode ser um sinal de alento. No início de 2010, o setor comemorava a retomada com encomendas de plataformas e navios da Petrobras, mas, desde 2015, afundou numa crise após o corte de encomendas da estatal, reflexo do escândalo de corrupção revelado pela Operação Lava-Jato — com investigações que atingiram os controladores de diversos estaleiros nacionais. Segundo o Sinaval, que reúne as empresas do setor, de 2014 para cá ao menos 20 estaleiros fecharam as portas, levando junto 50 mil empregos. Atualmente, estão em operação apenas 32 estaleiros, contra os 52 que existiam em 2014. A indústria emprega hoje 30 mil trabalhadores. Já chegou a ter 82 mil.

— Estamos fazendo uma avaliação do setor para poder retomar as conversas com as empresas e para que elas tenham oportunidade de se reerguer financeiramente e possam participar do processo. Muitos estaleiros são excelentes, com hardware de primeira linha, basta trabalhar na engenharia, na capacitação de gestão para que possam ter os mesmos resultados que a indústria naval tem em outros países — destaca Repsold, que considera estratégico para a empresa contar com um mix de plataformas próprias e afretadas. — Não estávamos tendo unidades próprias por uma questão financeira, estamos reduzindo o endividamento. Nossa meta é desalavancar (reduzir a dívida) a companhia, ter um bom fluxo de caixa ano que vem e então vamos voltar a fazer unidades próprias.

Um dos fatores-chave para que o negócio saia do papel é a competitividade. Enquanto ainda vigoravam regras com percentuais mais elevados de conteúdo nacional, a Petrobras recorreu à Agência Nacional do Petróleo (ANP) para ser liberada da obrigação, alegando que a diferença de preço chegava a 40% para o projeto de Libra. A discussão colocou a estatal e a indústria em lados opostos. Posteriormente, o governo flexibilizou as regras. O diretor da Petrobras garante que, ao contrário do que oorreu no passado, a estatal não pagará um preço maior em relação à cotação internacional.

— A Petrobras não vai arcar com ineficiência ou pagar uma diferença para compensar ineficiência ou dificuldade que exista neste setor no país. A indústria tem de atingir um grau de competitividade para disputar em igualdade de condições com outros países — disse Repsold, acrescentando que há um debate com governos, empresas e órgãos do setor para discutir quais melhorias podem ser feitas em âmbito tributário, de infraestrutura e trabalhista para viabilizar uma retomada da indústria naval.

‘É UMA INDÚSTRIA QUE NÃO SE SUSTENTA’
Apesar dos esforços, especialistas, porém, têm dúvidas se os estaleiros nacionais, de fato, terão condições de construir plataformas a preços competitivos e advertem que a Petrobras terá mais dificuldade de arcar com preços acima dos praticados no mercado internacional agora que atua em parceria na maioria dos projetos do pré-sal. As empresas parceiras não aceitariam o sobrepreço.

Produção do pré-sal cai em março, diz a ANP
Fernanda Delgado, pesquisadora da FGV Energia, que participou nesta semanda da Offshores Technology Conference (OTC), em Houston, o maior evento de petróleo do mundo, avalia que o setor está de olho nas oportunidades da indústria petrolífera no Brasil, apesar das dúvidas em relação às eleições. Mas esse otimismo não se estende ao setor naval: – É um setor que já quebrou três vezes (nas décadas de 1970, 1980 e nos anos 2000) e que sempre dependeu do governo e das encomendas da Petrobras. A gente não tem como competir, não tem escala, tem uma eficiência muito baixa e um custo muito alto. É uma indústria que não se sustenta sozinha.

A alternativa, para Fernanda, seria a indústria se concentrar em equipamentos nos quais se mostrou mais competitiva, como os módulos instalados em cima do casco do navio. – Por que insistir num setor que não é bem-sucedido? Construir plataformas no Brasil será melhor para o país? Não devemos pagar a mais pela curva de aprendizado. Não dá para cometer os mesmos erros de novo – critica.

NESTE ANO, 7 PLATAFORMAS COMEÇAM A OPERAR

Até o fim deste ano, a Petrobras colocará em operação sete novas plataformas de produção de petróleo. Deste total, seis são próprias e tinham sido encomendadas em 2012. Todas vão para o pré-sal na Bacia de Santos: três delas ficarão no Campo de Búzios e outras três no Campo de Lula. As unidades foram concluídas no exterior, principalmente na fabricação do casco, em razão dos problemas enfrentados pelos estaleiros nacionais. A sétima plataforma é afretada (FPSO Cidade de Campos dos Goytacazes) e ficará no pós-sal da Bacia de Campos. A entrada em operação é gradual. Com estas e outras unidades programadas para os próximos anos, a Petrobras prevê aumentar a produção nacional dos atuais 2 milhões de barris por dia para 2,9 milhões de barris diários em 2022. Já estão em andamento licitações para a contratação de cinco novas unidades previstas para 2021. Repsold não informou qual será o índice de conteúdo local de cada uma delas, mas uma parte dos equipamentos das plataformas, que envolvem recursos de US$ 7,6 bilhões, poderá ser feita no país. (O Globo)