Tema é estudado pelo Instituto de Química da Unesp

As nanociências e nanotecnologias apresentam um crescimento do número de trabalhos científicos publicados e solicitação de patentes, bem como uma consolidação no mercado tecnológico mundial. No entanto, os cientistas, as organizações governamentais e não-governamentais, bem como os consumidores manifestam preocupações quanto aos riscos à saúde humana, segurança ocupacional e ambiental das aplicações da nanotecnologia.

Apesar dos interesses econômicos e planos estratégicos governamentais de incentivo à pesquisa científica nas áreas de síntese, caracterização e aplicações das nanopartículas, não há uma correlação consistente entre os resultados dos testes toxicológicos in vitro e os efeitos a curto e médio prazo da exposição às nanopartículas em modelos in vivo, bem como os dados epidemiológicos são praticamente inexistentes.

O Grupo de Biomateriais do Instituto de Química da Unesp de Araraquara acaba de publicar o livro “Engineered nanomaterials: nanotoxicology issues, nanosafety and regulatory affairs”, com autoria dos pesquisadores: Carla dos Santos Riccardi (Farmacêutica-Bioquímica e Doutora em Biotecnologia), Márcio Luiz dos Santos (Doutor em Química) e Antonio Carlos Guastaldi (Professor Titular do Departamento de Físico-Química do Instituto de Química de Araraquara da Unesp), pela Editora Cultura Acadêmica da Unesp. O livro está disponível gratuitamente em http://www.culturaacademica.com.br/catalogo-detalhe.asp?ctl_id=520

O livro conclui que os benefícios da nanotecnologia nas diversas áreas de atuação são imprescindíveis para a consolidação de planos estratégicos econômicos mundiais desde 2000. Em contradição, a avaliação e o gerenciamento dos riscos desta tecnologia tornaram-se um desafio que requer uma análise científica multidisciplinar e ações regulatórias harmonizadas dos produtos nanotecnológicos disponíveis comercialmente.

Em geral, as estratégias internacionais de regulação em nanotecnologia priorizam um processo adaptativo de auto-regulamentação e consolidação da legislação específica para nanoprodutos envolvendo medidas de transparência sobre o assunto; colaborações entre instituições de pesquisa, organizações governamentais/não-governamentais, indústrias e consumidores; e divulgação pública. Assim, as agências reguladoras internacionais têm sido bem sucedidas na implementação de procedimentos de segurança para a saúde humana relacionados com exposições ocupacionais.

No entanto, observou-se que os impactos para a saúde humana e para o meio ambiente quanto a utilização em longo prazo de nanoprodutos ainda são desconhecidos. A maioria dos documentos analisados sobre o tema enfatiza que os formuladores de políticas públicas em todo o mundo precisam desenvolver estruturas de base científica mais eficaz para gerenciar os riscos associados ao desenvolvimento da nanotecnologia.

Em relação à proposta de uma legislação específica para nanoprodutos comercialmente disponíveis, a literatura destaca que há uma dificuldade de regulação devido aos resultados científicos conclusivos, envolvendo alguns aspectos relevantes na área, tais como a identificação e gestão dos impactos dos nanomateriais durante a cadeia de produção do produto; monitoramento do ciclo de nanopartículas persistentes no meio ambiente; e da complexidade na definição de níveis aceitáveis de partículas presentes em condições de trabalho, exposição ambiental e consumidor de nanoprodutos.

Dentro deste contexto, há um questionamento: quais as direções estratégicas mundiais quanto a uma regulação específica para o uso da nanotecnologia?

Até o momento, não há uma regulação internacional específica para os produtos disponíveis comercialmente que incorporem nanopartículas em alguma etapa do processamento industrial. Outro ponto a ser argumentado refere-se a ausência de protocolos internacionais padrão confiáveis para a avaliação da toxidade humana e ambiental às nanopartículas.

Um fator incontestável deve-se a melhoria da qualidade e custo-benefício dos produtos e processos nanotecnológicos, bem como os benefícios sociais agregados a esta tecnologia. Portanto, as empresas têm desenvolvido planos estratégicos de negócios e políticas em pesquisa, desenvolvimento e inovação com o intuito de vantagens competitivas industriais nas áreas de alimentos, cosméticos, farmacêutica, medicina, esportes, têxtil, automotiva, aeroespacial, militar, engenharia civil, energia entre outros.

O LIVRO
O livro é organizado em seis capítulos e identifica os progressos científico, tecnológicos, econômicos e sociais das nanotecnologias, bem como enfatiza o papel dos cientistas para o direcionamento de novas tedências nanotecnológica sem negligenciar a responsabilidade com a saúde humana, animal e meio ambiente.

Os capítulos 1 e 2 descrevem os aspectos científicos, tecnológicos, econômicos e socias da nanotecnologia. Os progressos econômicos mundiais para a aplicação da nanotecnologia à área da saúde humana foram avaliados por meio de pesquisa pública em endereços eletrônicos de empresas de consultoria, que atuam na área de pesquisa de mercado, e relatórios de empresas do setor.

Os investimentos internacionais em nanociências e nanotecnologias, bem como Programas Estratégicos Brasileiros em nanotecnologia foram avaliados por consulta pública de relatórios e editais públicos dos representantes governamentais, incluindo Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Projeto em Nanotecnologia Emergentes, Programa ObservatoryNano e empresas de consultoria em pesquisas econômicas sobre nanotecnologia.

No contexto nacional, os documentos de investimentos em pesquisas foram avaliados consultando os endereços eletrônicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Financiadora de Estudos e Projetos  (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A consolidação da tecnologia na escala nanométrica, após a implantação em escala industrial, promove um crescimento sustentável da economia mundial, sendo que as áreas com potencial em nanotecnologia em ordem de liderança de mercado englobam os setores de medicina, biotecnologia, sistemas de liberação controlada de fármacos, cosméticos, bioenergia e biodispositivos.

Os planos estratégicos governamentais dos líderes mundiais na área da nanotecnologia englobam frentes de trabalho na área de nanotoxicologia com investimentos financeiros relevantes a partir de 2005.

O Brasil apresenta uma expressão significativa em termos de investimentos públicos em pesquisa, desenvolvimento e inovação na área de nanotecnologia.

Porém, a agenda brasileira de programas de incentivos governamentais lança um edital público na área de nanotoxicologia e nanoinstrumentação somente em dezembro de 2011.

O capítulo 3 fornece a literatura no domínio da revolução científica em nanociências e nanotecnologias, bem como aspectos da toxicidade de nanopartículas à saúde humana. Os principais critérios desta revisão sistemática foram: 1) identificar os trabalhos científicos relacionados a síntese e caracterização físico-química das nanopartículas; 2) fornecer o número de trabalhos científicos com  uma contribuição substancial em termos de avaliação das nanopartículas por testes in vitro e in vivo (nanotoxicologia); 3) avaliar os trabalhos epidemiológicos, ou seja, os estudos sobre a exposição humana versus os efeitos das nanopartículas à saúde; e 4) identificar o número de trabalhos científicos na área de impactos ambientais da nanotecnologia.

O capítulo aponta que uma variedade de nanopartículas pode ser citotóxica e/ou genotóxica para células cultivadas in vitro, no entanto, há inconsistências nos resultados científicos quando se correlaciona os testes in vivo.

Outro aspecto inclui o escasso número de literatura científica na área epidemiológica dificultando a análise do impacto da nanotecnologia a curto e longo prazo. Portanto, em condições in vitro, as nanopartículas podem interagir com os sistemas celulares consideravelmente diferentes do que os modelos animais de avalição dos sistemas biológicos por testes in vivo. O capítulo apresenta uma tabela contendo mais de 500 trabalhos científicos na área de nanotoxicologia.

Os resultados contraditórios encontrados após a análise comparativa dos trabalhos científicos sugerem a relevância no entendimento de aspectos críticos para avaliação do tema, tais como: importância da dose, taxa de dose e biocinética; importância da metrologia para a caracterização físico-química de nanopartículas; avaliação da exposição humana e biodisponibilidade de nanopartículas e nanomateriais manufaturados; avanço de novas abordagens de testes de avaliação de identificação de perigos e riscos e métodos analíticos; novas metodologias analíticas para validação da correlação entre os testes in vitro e in vivo; e avaliação de riscos dos nanomateriais para a saúde humana.

A determinação dos valores dos limites de exposição ocupacional e questões epidemiológicas, que são derivados a partir dos dados toxicológicos, requerem uma instrumentação analítica confiável para que haja a gestão de riscos resultantes da exposição aos nanomateriais, a fim de permitir uma avaliação da toxicidade em condições de exposição a curto e longo prazo. Com base nas informações relatadas nos capítulos anteriores torna-se óbvio que existem muitas lacunas de informação que necessitam de planos estratégicos de pesquisa.

Além disso, os dados da pesquisa devem ser transcritos como norteadores de diretrizes e normas regulatórias que atendam as diferentes áreas de atuação da nanotecnologia, bem como considerações em segurança ocupacional e impactos ambientais. Portanto, há uma interrelação entre os aspectos de produção e caracterização das nanopartículas, nanometrologia, nanotoxicologia e assuntos regulatórios em nanotecnologia para um desenvolvimento harmonizado.

O capítulo 4 descreve o desenvolvimento de métodos alternativos ao uso de animais na área da nanotecnologia. A temática apresenta uma relevância mundial que fomenta e privilegia o princípio dos 3Rs (do termo em inglês, Reduction, Refinement  and Replacement) que reflete na redução do número de animais experimentais (1), minimização da dor, sofrimento ou estresse do animal (2), ou substituição do uso de animais vertebrados vivos (3), permitindo a existência de uma infraestrutura laboratorial e de recursos humanos especializados capazes de implantar métodos alternativos ao uso de animais, bem como  desenvolver e validar novas metodologias analíticas considerando as áreas da nanotecnologia.

O capítulo 5 apresenta uma análise dos assuntos regulatórios em nanotecnologia. Os quadros governamentais internacionais foram avaliados quanto a avaliação e gestão de riscos, bem como os questionamentos mundiais em assuntos regulatórios da nanotecnologia e as diretrizes de segurança para o manuseio das nanopartículas e os impactos ambientais dos nanomateriais. As medidas de segurança ocupacional essenciais são praticamente o uso de máscaras de proteção contendo membranas filtrantes, luva de proteção adequada para substâncias de alta toxicidade e sistemas de ventilação do ambiente com dosagem periódica do número de partículas dispersas no ar.

As agências européias e norte-americanas de segurança ocupacional têm enfatizado o uso de Fichas de Segurança de identificação e informação quanto ao perigo de manipulação e medidas de controle de riscos de acidentes frente à exposição das nanopartículas. Porém, um instrumento regulatório específico para a nanotecnologia ainda é tema de discussões internacionais.

Diversos países anunciaram um “Plano de Ação” com o intuito de abordagens seguras, transparentes, integradoras e responsáveis para as nanociências e nanotecnologias, incluindo França, Noruega, Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Japão, Estados Unidos e o grupo BRICs (Brasil, Rússia, India e China).

As organizações mundiais de especialistas na área alertam para ações imediatas em termos de programas de pesquisa científica com normalização e validação de métodos para a escala nanométrica, com o intuito de reduzir as incertezas nas questões de nanotecnologia.

O desenvolvimento globalmente harmonizado foi iniciado pelas Organizações Internacionais de Padronização (ISO e ASTM) e Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A União Européia e os Estados Unidos têm anunciado grandes desafios no processo regulatório e avaliação da eficácia das abordagens globais existentes no domínio das nanotecnologias.

Dessa forma, os mecanismos atuais de gestão de risco de nanoprodutos nos cenários internacional e brasileiro foram analisados, com o intuito de identificar e avaliar os desafios em nanosegurança e nanoregulação.

No âmbito internacional pôde-se avaliar a evolução em termos de ações governamentais, diretrizes de agências reguladoras, ações de organizações não-governamentais e incentivo do setor privado para establecer uma regulação em nanotecnologia. A maioria dos países atualiza banco de dados eletrônicos de acesso público com o intuito de reunir e divulgar informações para o desenvolvimento de padrões e regulamentos relativos à segurança social e ambiental quanto ao desenvolvimento e aplicação das nanotecnologias.

No cenário brasileiro não há um controle sobre essa tecnologia e os impactos nanotoxicológicos são pouco difundidos no país. O panorama internacional demonstra um histórico de dificuldades para delinear planos estratégicos de gerenciamento de riscos à saúde humana e ao meio ambiente ocasionados pela exposição ocupacional, geração de resíduos industriais e consumo dos nanomaterias.

Mais de 400 documentos internacionais, incluindo guias de práticas obrigatórias e não-obrigatórias, manuais de orientação em nanosegurança, projetos de lei e diretrizes em nanoregulação, analisam o progresso dos programas de políticas públicas mundiais na área de nanossegurança e nanorregulação.

A maioria dos documentos cita a necessidade de ações harmonizadas em aspectos em liderança e governância em nanotecnologia, benefícios da nanotecnologia, discussão sobre uma adaptação da legislação existente ou regulação/fiscalização específica para os nanoprodutos, e aspectos éticos e sociais da nanotecnologia.

A perspectiva para o delineamento de um plano regulatório em nanotecnologia deve envolver uma maior transparência do setor industrial no processo de regulação dos nanoprodutos; metas segmentos envolvidos na gestão de riscos regulação da nanotecnologia (Universidades e Centros de Pesquisa; Indústrias; Governo; Público, Instituições Civil, Organizações Não-Governamentais e Consumidores; e, Outras Organizações Internacionais); revisão dos documentos favoráveis e contrários à utilização do Princípio da Precaução como um mecanismo de contenção de riscos em situações de incertezas éticas, sociais e jurídicas da nanotecnologia; identificação das organizações mais ativas no contexto mundial em atividades envolvendo normalização das nanotecnologias; identifcação das principais Organizações Não-Governamentais envolvidas em projetos de recomendações em nanosegurança e nanoregulação; entre outras.

Finalmente, o capítulo 6 descreve as principais ações para promover ações harmonizadas em assuntos regulatórios da nanotecnologia no país.  A posição do Brasil em aspectos de gestão de riscos dos nanomateriais e perspectivas sobre questões de regulação da nanotecnologia foram avaliados pela consultoria pública das páginas eletrônicas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Fundacentro (entidade governamental do Brasil que atua em pesquisa científica e tecnologia na área de segurança e saúde dos trabalhadores), MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação) e ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento industrial).

“A inconsistência, as lacunas e as contradições dos resultados científicos em nanotoxicologia da literatura atual devem motivar novas possibilidades de planejamento estratégico e gestão de projetos em Ciências e Tecnologias, sem negligenciar as responsabilidades sociais e os impactos à saúde humana e ao meio ambiente”, conclui Gustaldi.

QUESTÕES ESPECÍFICAS EM SEGURANÇA E REGULAÇÃO DE NANOTECNOLOGIA

  • Quais são os principais efeitos nocivos das nanopartículas?
  • Quais os mecanismos de interação das nanopartículas com os sistemas biológicos?
  • Quais as propriedades físico-químicas das nanopartículas são relevantes para um efeito à saúde humana?
  • Quais são os impactos das nanopartículas ao meio ambiente a curto e longo prazo?
  • Qual a melhor metodologia analítica para o monitoramento das nanopartículas frente a uma exposição ocupacional?
  • Quais as estratégias de controle para as nanopartículas dispersas no ar?
  • Como as nanopartículas podem ser mensuradas e os resultados correlacionados às propriedades específicas de cada tipo de nanopartícula?
  • Quais os mecanismos de interação das nanopartículas engenheiradas com as células?
  • As metodologias atuais para a avaliação de riscos das nanopartículas são eficientes para o monitoramento dos efeitos a curto e longo prazo?
  • A propriedade de aglomeração das nanopartículas pode influenciar os resultados de determinação do parâmetro de doses, bem como modular o perfil de dose-resposta mediada por estresse oxidativo celular obtido por testes in vitro?
  • Como a exposição às nanopartículas pode ser segura?
  • Quais são os mecanismos de vulnerabilidade e citotoxicidade das nanopartículas?
  • Quais são os mecanismos de dispersão e transformação das nanopartículas no meio ambiente?
  • Quais são as principais moléculas de subprodutos e produtos de degradação envolvidas no ciclo de vida de um nanomaterial?
  • Os modelos de extrapolação matemática são capazes de predizer a toxicidade de um nanomaterial?

CONTATOS DO PESQUISADOR
Antonio Carlos Guastaldi
guastald@iq.unesp.br