Já se passaram três meses desde que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) encerrou a consulta pública que estabelece as regras de certificação ambiental do RenovaBio e a autarquia não chegou ainda a uma conclusão. Sem essa definição, o programa não pode começar uma etapa crucial: o credenciamento das usinas no programa.

Inicialmente, a conclusão do processo foi prometida para agosto; depois, adiada para setembro. Agora, após a reunião realizada nesta quarta-feira (26), a ANP avisou que precisará de mais 30 dias para finalmente tomar uma decisão. Se a agência não postergar sua avaliação novamente, o processo, depois de todas as contribuições da sociedade, terá se arrastado por quatro meses.

A demora é desconfortante, pois os documentos que estão em consulta pública referem-se à RenovaCalc, uma das primeiras ferramentas a ser pensada e estruturada dentro do programa, em janeiro de 2017. De lá para cá se completarão dois anos.

A reunião

Cercada de atenção, a reunião desta semana na ANP foi justamente sobre a etapa onde o programa está enroscado, que diz respeito às regras ambientais do RenovaBio. No entanto, segundo os relatos ouvidos pelo novaCana, a questão da lentidão ficou em segundo plano.

O processo precisa avançar para que as usinas tenham tempo hábil para contratar as certificadoras e iniciar seu credenciamento a tempo de colocar o RenovaBio em ação no ano que vem. No entanto, a conversa entre as usinas de etanol, o Ministério de Minas e Energia (MME), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a ANP foi dominada por dois pontos: o corte de árvores isoladas e a mudança no uso da terra (MUT).

O primeiro ponto está presente nos documentos enviados por vários representantes das usinas durante a consulta pública. O outro foi amplamente debatido nos encontros públicos promovidos durante o desenvolvimento da calculadora.

A possibilidade de cortar árvores isoladas seguindo a legislação ambiental, que pode variar de estado para estado, é um dos pedidos mais brandos das usinas. A regras em análise pela ANP não proíbem diretamente esta situação, porém o texto dava margem para que as usinas fossem excluídas do RenovaBio caso cortassem árvores isoladas, o que poderia configurar desmatamento.

Entre as pessoas que participaram do encontro, a solicitação foi considerada aceitável e não deve atrapalhar o objetivo do programa. Após a reunião, o diretor da ANP Aurélio Amaral informou ao Valor Econômico que este pedido deve ser atendido.

Com a permissão do corte de árvores isoladas, existe um interesse em também permitir o corte da vegetação nativa em áreas maiores. Este foi o segundo ponto abordado no encontro.

A União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica) quer que as usinas possam fazer o desmatamento “em conformidade com a legislação vigente” fazendo, junto com isso, uma “compensação equivalente de estoque de carbono”, conforme a entidade colocou nos documentos da consulta pública. A ideia da instituição é incluir no RenovaBio, neste caso específico, os efeitos da mudança no uso da terra, ou seja, pode haver desmatamento de um lado, desde que haja uma compensação de outro.

No entanto, a posição do diretor da ANP foi a mesma que já havia sido estabelecida anteriormente pelo governo. Amaral declarou ao Valor que “não tem conta hoje para isso, precisa de avaliação científica”, indicando que seria necessário encaminhar um estudo sobre como elaborar uma metodologia de compensação de carbono para permitir essa modificação.

O MME já havia detalhado sua visão sobre o assunto em uma coluna publicada no início do ano. Uma série de argumentos foram apresentados pelo governo e por técnicos responsáveis para justificar a decisão do modelo atual que não permite o desmatamento de áreas nativas. Entre eles está o “baixo nível de complexidade para implementação na primeira fase do programa, os baixos custos de certificação para as unidades produtoras, o forte embasamento técnico-científico, a sinergia com políticas e programas de uso da terra em vigor no Brasil e internacionais, e a capacidade de cumprimento e assimilação pelo setor produtivo”.

Em agosto do ano passado, o workshop estratégico sobre o RenovaBio realizado no Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) já respondia os questionamentos de agora. Na ocasião, o sócio da Agroícone Marcelo Moreira explicava, no âmbito da RenovaCalc, os conceitos de uso da terra como os efeitos diretos (dLUC), efeitos indiretos (iLUC) e gestão de risco. Este último, inclusive, é o modelo adotado para o início do RenovaBio.

Moreira sugeriu, há mais de um ano, a divisão do RenovaBio em duas fases. Na primeira, de 2018 a 2021, as mudanças de uso da terra não seriam calculadas. “A gente vai ignorar a mudança de uso da terra? Não. A ideia é que seja formado um grupo que acompanhe o avanço da ciência para que, nessa primeira revisão, a gente possa atualizar a abordagem”, esclareceu.

Na segunda fase, de 2022 em diante, seria preciso considerar se há ou não a necessidade de mudar a abordagem do programa.

A nota técnica que acompanha a consulta pública, inclusive, afirma: “Em revisões do programa, será considerado o avanço técnico-científico relacionado à contabilidade de emissões de MUT e, se necessário e viável, alterações ou incrementos do modelo de consideração de MUT no RenovaBio poderão ser implementados.”

A reunião, assim, acabou resgatando um assunto que já havia sido amplamente discutido. A posição do governo após o encontro se manteve a mesma de que, no futuro, a RenovaCalc continuará sendo desenvolvida.

Fora da reunião

De acordo com os relatos ouvidos pelo novaCana, não fizeram parte da reunião reivindicações mais polêmicas presentes na extensa lista de pedidos dos representantes das usinas enviadas durante a consulta pública. Um exemplo é o pedido da Unica para excluir o zoneamento agroecológico da cana do RenovaBio. Outro, é a solicitação de que as usinas possam desmatar por mais tempo e, ainda assim, entrar para o RenovaBio.

Também parece não ter sido alvo da reunião o pedido da Atvos (antiga Odebrecht Agroindustrial) para que as revisões das notas das usinas aconteçam somente a cada dois anos. Assim, uma queimada ocorrida pouco após a emissão do certificado, por exemplo, passaria a ser contabilizada apenas após dois anos, tendo menor efeito sobre a nota da usina.

Com estas questões mais sensíveis aparentemente fora do caminho, o RenovaBio agora parece livre para se concentrar em avançar, de forma que as usinas possam finalmente iniciar o processo de certificação. Isso se a ANP não adiar o prazo novamente. (novaCana.com)