Em agosto de 2017, a Abifer (Associação Brasileira de Indústria Ferroviária) completará 40 anos. Uma data significativa e que remete à lembrança do conceito recente de indústria 4.0, que é o termo que engloba as principais inovações tecnológicas dos campos de automação, controle e tecnologia da informação, aplicadas aos processos de manufatura.

Dentro do contexto de um novo período das grandes revoluções industriais com as fábricas inteligentes, em que de fato diversas mudanças ocorrerão, com o gancho dos impactos em diversos setores, inclusive o ferroviário, a Revista Sobretrilhos realizou uma entrevista exclusiva com Vicente Abate, o presidente dessa instituição que há quatro décadas se posiciona positivamente no mercado nacional.

Abate, juntamente com sua equipe, conduz a organização há quase oito anos e está na sua quarta gestão. As suas falas ressaltaram os preparativos para a data especial em 2017 e a capacidade que o país tem de suprir o mercado, não só com veículos novos, mas com serviços, materiais de via permanente e com modernização.

Sobretrilhos: Como tem sido levar a missão da Abifer?

Vicente Abate: Tem sido um motivo de muito orgulho para mim. São sete anos e meio em que venho dirigindo a Abifer e, além de orgulho, é uma satisfação muito grande poder divulgar o setor. Como a nossa própria missão diz: fomentar o crescimento da indústria ferroviária instalada no país; para isso propomos e apoiamos a expansão do transporte ferroviário, tanto de cargas como de passageiros.

ST: Como está a relação do setor ferroviário com os aspectos de desenvolvimento?

V.A.: Na medida do possível, nossos associados e até a própria Abifer sempre dão suporte às concessionárias e aos usuários, de forma que possamos seguir nessa trilha de crescimento do transporte ferroviário no país. Nós vimos de uma situação em que o setor ferroviário quase desapareceu. Mas no transporte de carga – através da desestatização do sistema, passando para a iniciativa privada a concessão pública do transporte, com o empenho dos governos de todas as esferas [federal, estadual e municipal] – há constantes esforços para prover uma melhoria. Então, na minha visão, o crescimento do transporte ferroviário é inexorável no país. Não tem mais volta, é prosseguir.

ST: Um dos maiores gargalos do chamado “Custo Brasil” é a questão da presença de um transporte realizado de maneira insuficiente. Deve ser desafiador dialogar com as diferentes frentes do país e também uma conquista a cada trabalho realizado. Como o senhor lida com esse desafio no seu dia a dia?

V.A.: Os desafios são constantes efetivamente. Mas temos apoios, não só em nível de governo [executivo], mas do próprio Legislativo, que também nos apoia muito, e da própria iniciativa privada; mas o que temos notado e que propagamos é que não é só um modo de transporte que vai resolver o problema dos gargalos logísticos: não só o ferroviário, o hidroviário, o rodoviário. É uma integração desses diversos tipos de transportes de maneira inteligente, conforme a distância, o tipo de carga; tudo isso tem influência para que exista uma malha de transporte. Naturalmente, é importante haver uma integração desses vários modos de transportes com portos, aeroportos, de forma que possamos colher de cada modo de transporte aquilo em que ele é mais eficiente. Com isso há parcelas do transporte que vão sendo diminuídas no custo logístico total, muito menor que usar um só modo de transporte. Esse é o tipo de atividade que exercemos: não olhar só para o nosso setor, mas o setor logístico de uma forma geral. Há um entendimento do governo, do Legislativo e dos outros setores de que o trabalho deve ser exercido de forma conjunta.al e municipal] – há constantes esforços para prover uma melhoria. Então, na minha visão, o crescimento do transporte ferroviário é inexorável no país. Não tem mais volta, é prosseguir.

ST: A Abifer está indo para quarenta anos de existência em 2017. Começou-se a pensar em algum preparativo para celebrar a data 4.0?

V.A.: Já sim. Podemos “linkar” a data com a indústria 4.0, para onde está caminhando a indústria em geral, não só a ferroviária, para uma melhoria efetiva da gestão da indústria com a questão da conectividade que existe, da Internet das coisas. Nós já estamos nos preparando, sem dúvida nenhuma. Em 8 de agosto de 2017, a Abifer completará 40 anos e vai ser um marco histórico para a associação, como já foram os 35 anos passados, os 30 anos e assim por diante. A celebração dessa data vai ser bastante marcante para todo o setor ferroviário. Esperamos fazer um evento significativo.

ST: Então, quais as expectativas para a mudança?

V.A.: A partir do novo governo pensamos que possa voltar a ter 1,6% do PIB de investimento em infraestrutura de transporte, mas hoje o investimento é menor que 1%, infelizmente. Se compararmos os países em desenvolvimento dos BRICS com outros países equivalentes, o nosso investimento é extremamente baixo, eles estão em patamares superiores a 5%, chegando até 10%. É preciso atingir um patamar maior e prover o Brasil de infraestrutura logística e de mobilidade urbana para poder reduzir custos logísticos e também melhorar a mobilidade urbana. O próprio investimento em infraestrutura faz parte da formação bruta de capital fixo. Assim, com o aumento dessa formação bruta, será possível atingir patamares que elevem o PIB também. O investimento é favorável na melhoria do custo logístico, que hoje é muito alto; temos que baixá-lo para um dígito – hoje ele está na faixa de 12% a 15%, dependendo do instituto que mede esses indicadores. Se analisarmos o caso dos Estados Unidos, o custo logístico lá é de 8%. Então, além disso, contribui para a melhoria do PIB que está depreciado nestes últimos anos, através do investimento na infraestrutura que leva a investimentos em máquinas e equipamentos, ajuda a própria indústria. Acontecerá um círculo virtuoso.

ST: O patamar mínimo dos demais países que fazem parte do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) para investimento em infraestrutura de transporte. No Brasil, qual é o caminho para atingir um mínimo, um crescimento para talvez 2% do PIB, e depois dar uma sequência para chegar ao patamar dos países do BRICS?

V.A.: Nós chegamos a atingir esse patamar de 2% do PIB de investimento em infraestrutura de transporte, de todos os modos de transportes, na década de 1970; houve muito investimento naquela altura. Nas décadas perdidas, 1980 e 1990, [esse investimento] foi diminuindo até quase chegar a zero. Houve uma melhoria nos investimentos no início deste século e ele voltou a crescer a um nível de 0,5% a 0,6%, ainda insuficiente. Esperava-se que a década presente pudesse voltar a atingir aqueles 2% da década de 1970. Acreditamos que pode não ser conseguido, em função de termos vivenciando praticamente três anos de crescimento zero ou negativo, de forma que a economia só vai começar a se recuperar a partir de 2017, e quem sabe ainda dará tempo.

ST: O comparativo dos anos 2015 e 2014 apresenta os seguintes números: de vagões de carga foram produzidos 4.683 (em 2015), sendo 75 para exportação; de carros de passageiros foram produzidos 322 (em 2015), sendo 78 para exportação. Já de locomotivas foram produzidas 80 unidades em 2014, e 129 em 2015, sendo 6 para exportação. Um faturamento total de R$ 5,6 bilhões em 2014 e R$ 6,2 bilhões em 2015, ou seja, um crescimento de 10,7%. Como andam os números de 2016?

V.A.: Os volumes mencionados são as formas de medir o setor, através da fabricação e entrega de veículos. Isso mostra também toda a cadeia positiva que vem atrás desses montadores para fornecimento. Não esqueçamos também que nós temos outros setores dentro da própria ABIFER, que fazem componentes de materiais para vias permanentes (dormentes, grampos de fixação, aparelho de mudança de via, solda, etc.). Falando na questão dos volumes, em que é possível medir concretamente a expansão ou não do setor, realmente, os números em 2014 já foram bons em relação a 2013, a base de 2013 foi um pouco baixa, então os números de 2014 saltaram à vista, são mais expressivos. Em 2015 houve uma melhora, para 2016 esperamos um volume, dependendo do veículo, relativamente similar.

ST: Mesmo com crescimento, que tipo de preocupações são presentes e o que pode superá-las?

V.A.: O que nos preocupa é o que virá depois. Os últimos anos apresentam resultados satisfatórios, mas, infelizmente, não se consegue manter um patamar em alta indefinidamente. Então, pode haver uma eventual queda em função disso e também das incertezas da economia. Há expectativas com relação à infraestrutura do novo governo. No setor ferroviário já há alguns projetos que foram divulgados como prioritários, que estão alinhados com aquilo que a indústria e o próprio setor ferroviário estavam esperando. Nós temos aí uma repactuação da malha paulista da Rumo, isso vai alavancar investimentos, que já vêm ocorrendo, mas que podem ser aumentados. Em ato contínuo, não necessariamente neste ano, teremos a repactuação da MRS e da VLI, que agregarão investimentos mais imediatos, com repactuação dos prazos das concessões que estão para vencer nos próximos 10 anos. Que esses investimentos sejam feitos de forma a melhorar a própria via permanente, tirar gargalos, renovar frotas de vagões de locomotivas e uma série de atividades que as concessionárias farão no sentido de melhorar e dar mais produtividade.

ST: O governo tem apresentado sinalizações para o setor ferroviário. Como fazer para a indústria não ficar indo para “picos e vales”?

V.A.: A ideia é ter um crescimento mais sustentável, não ficar nesses picos e vales que temos vivido no setor ferroviário. Além disso, o governo já sinalizou dois projetos: um deles é a Ferrogrão, que é uma ferrovia greenfield de 1.000 km de extensão, que tem as tradings internacionais envolvidas, e mesmo nacionais, e que farão com que os grãos produzidos no Centro-Oeste tenham destino para portos do norte. Tirando que hoje existe certa saturação nos portos do Sul e Sudeste, no caso de Paranaguá e Santos, respectivamente. Além desse projeto 100% greenfield, há o próprio projeto da Ferrovia Norte-Sul, de que sabemos que existe um trecho já terminado, de 850 km, de Palmas a Anápolis, e outro trecho quase terminado; faltam 10%, a previsão, segundo informações anteriores da Valec e que esperamos que se concretize, é de que em 2017 tenhamos mais 680 km.

ST: Como está o acompanhamento da posição da indústria brasileira perante investidores estrangeiros?

V.A.: A indústria brasileira tem recebido cotações de vagões e locomotivas de investidores estrangeiros e isso é muito importante, pois sinaliza também que esses investidores estrangeiros, ao virem para cá, não pensam em trazer equipamentos de fora e sim comprar da indústria local, o que é muito importante para o Brasil, de forma que a nossa expectativa é muito grande. Aliado a isso, o governo tem outros modos de transporte e projetos para sair. Isso dará certa confiança ao mercado, de forma que 2017 será um ano de reação efetiva.

ST: Recentemente o senhor esteve com o ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), Marcos Pereira (PRB). Foi possível dialogar abertamente sobre a ampliação da frota brasileira?

V.A.: Foi uma excelente reunião. Falamos da renovação da frota, da indústria em geral, explicamos que carecemos de uma política industrial forte. O que a indústria precisa para melhorar a sua competitividade é de uma política forte. Esse ponto é fundamental, ensejando que possamos abrir o mercado brasileiro. Não estou falando só de MDIC, estou falando de Ministério das Relações Exteriores também. Porque hoje o MDIC está comandando a indústria nacional, mas há uma interface com o Ministério das Relações Exteriores no sentido de fortalecer acordos internacionais, e para isso são necessárias contrapartidas. Agora, antes de ter contrapartidas para que a indústria possa ter uma abertura de mercado – nas duas vias, tanto para exportar como para receber produtos importados – é preciso ter uma política econômica forte, que faça com que a indústria tenha capacidade não só de exportar, mas também de competir com indústria de fora que venha para cá. Na reunião foi discutida a renovação da frota, não só com o ministro Marcos Pereira, mas também com o ministro dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Maurício Quintella.

ST: A indústria nacional tradicionalmente é exportadora. O percentual de exportação sempre foi significativo, mas isso caiu ao longo do tempo por uma série de fatores conjunturais. Há tendência de aumento das exportações?

V.A.: Há uma tendência natural das exportações aumentarem, porque o real ficou valorizado por muito tempo e ele já está em um patamar mais favorável às exportações. Eu não diria que ele devesse ser uns R$ 4,00 – até seria muito bom – mas é preciso pensar que pode haver um câmbio prejudicado no caso do real. Mas, R$ 3,00 e R$ 3,20, como está agora, é desfavorável para a questão de exportação. Então um câmbio, embora seja flutuante, com ações para ficar em um patamar de R$ 3,50 e R$ 3,60, vai ser bom para todos. Esperamos que esse nível de câmbio consiga melhorar as exportações, que já começaram neste ano quando o dólar chegou a quatro reais. Mas não é só o câmbio, há outras condições que precisam ser melhoradas, como a abertura de mercado para ser um país globalizado. Para isso é necessário ter acordos internacionais e ter uma política econômica forte.

ST: Na Argentina, em troca de financiamento, a indústria chinesa está inundando o país, atingindo a indústria local e até o Brasil. Como está o posicionamento da Abifer junto de suas associadas para a busca do compromisso “Brasil com o Brasil” para fortalecimento da indústria local?

V.A.: Na questão do Mercosul, com a mudança do governo argentino e do governo brasileiro, as coisas estão mudando. A tendência é de haver uma melhoria. Na questão da Argentina, na reposição da concessionária, continuamos exportando, e inclusive veículos, por exemplo, do metrô de Buenos Aires. Lá, o que aconteceu nos últimos anos foram acordos de financiamento da China com o governo anterior, e a contrapartida desse financiamento foi o fornecimento de veículos e componentes da China para o país. Isso foi realmente um desastre, porque no bojo do financiamento foi aceito que viessem os equipamentos, e não se deu chance para a indústria local, e nem para a brasileira, que pode ser considerada local também, porque com a existência do Mercosul – e da alíquota zero – é possível tirar produtos do Brasil e levar à Argentina e vice-versa. (Sobretrilhos)