Uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) avança na pesquisa que transforma lignina em fibra de carbono. A lignina é o segundo material mais abundante na natureza, atrás apenas da celulose. A lignina, que é uma importante molécula estrutural vegetal, é retirada do bagaço da cana-de-açúcar, após o processo do chamado etanol de segunda geração. Os pesquisadores da UFRJ conseguiram chegar a um extrato mais puro, o que aumenta seu potencial de transformação. Atualmente, o Brasil importa toda a fibra de carbono que consome.
Na safra 2008/2009, o Brasil processou mais de 569.063 milhões de toneladas de cana, gerando cerca de 160 milhões de toneladas de bagaço, potencial fonte de lignina. Normalmente, boa parte desse bagaço acaba queimada nas próprias usinas como forma de gerar energia, mas é uma destinação que ainda não consegue absorver todos os resíduos gerados. Assim, eles podem causar sérios impactos ambientais.
Processo
Após sofrer um pré-tratamento, o bagaço de cana passa por uma hidrólise ácida, sendo a fração sólida recuperada por filtração sob pressão. O material é então tratado com hidróxido de sódio, retirando-se desse processo o determinado licor negro - rico em lignina. Após essa determinação, separou-se a lignina do meio por dois métodos diferentes de extração: por filtração e pela adição de calor.
O método de extração por filtração a vácuo apresenta rendimento em massa pouco maior do que o método de extração por aquecimento. Entretanto, o método baseado na separação após aquecimento é mais prático e rápido. Os pesquisadores decidiram seguir com os dois métodos de extração. Depois, será realizada uma análise das propriedades das fibras de carbono para definição da melhor metodologia empregada.
Segundo a coordenadora do trabalho e do Núcleo de Biocombustíveis, de Petróleo e de seus Derivados da UFRJ, Veronica Calado, o projeto está em vias de ser patenteado e não há nenhuma outra pesquisa desse tipo no Brasil. A coordenadora ainda não sabe quanto custará a fibra, mas acredita que esse projeto pode disseminar o uso de fibra de carbono em diversas indústrias, o que atualmente não acontece devido ao preço elevado.
"Se produzirmos um material nobre como esse a partir de resíduos, isso será fantástico. As empresas petrolíferas precisam de materiais compósitos, que são feitos com resinas poliméricas e fibras de carbono e de vidro. Já a indústria automobilística poderia usar a fibra de carbono para obter peças mais leves, provocando assim economia de combustível", comenta Veronica.
Contraponto
Para o presidente da Associação Brasileira de Carbono (ABCarb), Luiz Depine, a transformação de lignina em fibra de carbono não é novidade."A produção de fibra de carbono a partir de lignina será sempre tema para trabalhos acadêmicos, mas esse será o seu limite. Ela se juntará a uma centena de outros precursores potenciais, como rayon e fibra de coco, na fabricação de fibra de carbono, que geraram muitos trabalhos acadêmicos, mas que nunca chegaram ao mercado", argumenta.
Depine explica que o Oak Ridge National Laboratory (ORNL), nos Estados Unidos, e a Universidade de Toronto, no Canadá, iniciaram pesquisas para produzir fibra de carbono a partir de lignina. Depois de dez anos de estudo, nenhuma das instituições conseguiu atingir o preço e propriedades desejadas. Segundo o presidente da ABCarb, o preço não foi alcançado, porque a lignina precisou inicialmente ser purificada. Quando esse problema foi contornado, tiveram que acrescentar uma substância polimérica, o que aumentou o custo de produção.
Após a solução de todos os problemas intermediários de produção, o ORNL chegou finalmente a uma fibra de carbono que mesmo após ter sua técnica de produção otimizada, sua resistência mecânica não ultrapassou os valores de 0,5 a 0,6 GPa. "Isso colocou essa fibra em uma região próxima de outras fibras comerciais de custo muito mais baixo e fez com que as duas instituições fossem gradualmente desativando suas pesquisas nessa área. Deve-se considerar que Oak Ridge possui o nível máximo de expertise na área da tecnologia de fabricação de fibra de carbono", diz Depine.
Mercado
A fibra de carbono comercial é produzida atualmente a partir de um polímero denominado poliacrilonitrila e piche (de alcatrão ou de petróleo). É um material de propriedades excepcionais, porém seu uso ainda não é tão comum devido ao seu custo, ainda muito elevado. Para o presidente da ABCarb, a popularização da utilização da fibra de carbono deveria acontecer através da indústria automobilística, desde que seu preço pudesse chegar a valores entre US$ 10 e 15 por quilograma e sua resistência à tração estivesse próxima de 1,72GPa. Porém, atualmente a fibra mais barata sai entre US$ 40 e 60.
Ele afirma que há estudos promissores na fabricação de fibra de carbono, mas todos utilizam poliacrilonitrila e piche. Embora o Brasil importe toda a fibra de carbono que consome, Depini não vê a necessidade de instalar uma fábrica no Brasil. "Na realidade a quantidade consumida é muito pequena, o que não justifica o insvestimento", defende.
Fonte: CIMM - 24/09/2012 |