Calçados chineses mudam de nacionalidade no navio, diz Vulcabras

Para Milton Cardoso, presidente da empresa, País faz ‘papel de bobo’ ao não coibir fraudes à lei antidumping contra calçado chinês

Dias depois de suspender a produção no município de Parobé (RS), Milton Cardoso, presidente da Vulcabras, a maior indústria calçadista brasileira, foi categórico: a empresa não tem planos de expandir seu parque fabril no Brasil. A migração da Vulcabras e de outras empresas do setor para países com custos de produção mais baixos, a seu ver, é consequencia da passividade do governo em reagir à valorização da moeda e à competição desleal de produtos importados.

“A Vulcabras não tomou uma decisão isolada. Há um movimento claro de saída da indústria calçadista do Brasil. Só um observador que não está atento se surpreende com esses fatos pré-anunciados”, diz Cardoso, que também é presidente da Abicalçados.
A valorização do real azedou o humor da indústria calçadista nacional. A onda de otimismo iniciada em setembro de 2009, após a aprovação de uma taxa antidumping contra o calçado chinês, está chegando ao fim. A cobrança da tarifa é resultado de uma investigação de defesa comercial feita pelo Ministério do Desenvolvimento a pedido da Abicalçados, um processo de 40 mil páginas, que correu durante 18 meses.
A medida reduziu as importações do pares de calçados da China em 22% em um ano, mas elevou a entrada de outros países asiáticos. O Brasil passou a importar mais da Malásia em 2010 (1.356% de crescimento), Vietnã (81%), Indonésia (93%) e até de regiões que quase não possuem fábricas do produto, como Hong Kong (132%) e Taiwan (428%).

A suspeita da Abicalçados é a prática de triangulação, ou seja, o sapato fabricado na China chega ao Brasil com o certificado de origem de outro país. Assim, o produto se livra da incidência da taxa de US$ 13,85 por par.

Em janeiro deste ano, a Abicalçados entrou com um pedido de extensão da cobrança da tarifa antidumping contra o sapato chinês para produtos da Malásia, Indonésia e Vietnã. “O processo está parado porque a Receita se recusa a fornecer dados de importação”, diz Cardoso. Procurados, o Ministério da Fazenda e do Desenvolvimento não se pronunciaram até fechamento desta edição.

Índia
Sem conseguir barrar a importação da China e com o câmbio mais valorizado, a Abicalçados vai revisar para baixo suas projeções feitas no início do ano. Na época, a associação esperava um crescimento de 5,5% na produção e 5% no emprego da indústria calçadista em 2011. Hoje, o Brasil emprega cerca de 350 mil pessoas no setor. “Temo que nos próximos meses não haverá criação de vagas no setor. Estamos à beira de uma crise”, diz Cardoso.

Veja entrevista:

Pergunta: Por que as indústrias calçadistas estão transferindo sua produção para fora do Brasil?

Milton Cardoso: Há uma série de razões, mas o câmbio é o problema mais grave. A indústria produz onde for mais competitivo. Há dois anos, quando o dólar custava R$ 2,20, o ministro Guido Mantega (Fazenda) disse que o Brasil tinha um arsenal para enfrentar a guerra cambial e iria usá-lo. De lá para cá, o dólar caiu 30% e os salários cresceram 20% no Brasil. Não dá para competir com os importados com esta diferença de custos. Só um observador que não está atendo não vê estes dados.

Pergunta: O senhor acha que o governo foi negligente com a questão do câmbio?
Milton Cardoso: Da nossa ótima, a atuação do Ministério da Fazenda deixou a desejar.

Pergunta: Vocês têm conversado com o governo?
Milton Cardoso: A Abicalçados tem reuniões toda a semana no Ministério do Desenvolvimento. Não queremos tratar a questão politicamente, mas queremos que a lei seja cumprida. O Brasil está fazendo papel de bobo [na questão do antidumping contra o calçado chinês]. Enquanto os dados do Brasil indicavam importação de 6 milhões de pares de calçado chinês, os dados da China apontam para 27 milhões. Desapareceram milhões de pares ou eles mudaram de nacionalidade no porão do navio. Isso é fraude e o governo brasileiro tem que agir.

Pergunta: Se o governo aprovar a cobrança da tarifa antidumping para calçados de outros países asiáticos a indústria voltará a investir no Brasil?
Milton Cardoso: Sim. O setor calçadista se expande, migra e encolhe muito rapidamente. Nos três últimos meses de 2008, com o avanço da crise, o setor fechou 13% das suas vagas. Foi um corte de 44 mil empregos. Mas, seis meses depois do início da cobrança da tarifa antidumping contra o calçado chinês, a indústria criou 70 mil vagas. A triangulação para driblar a tarifa esfriou o otimismo. Se nós afastássemos essa ameaça da concorrência desleal, teríamos uma reação rápida. Poderíamos encerrar o ano com mais de 500 mil vagas no setor.
(do iG)

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