Ao final de cada dia, o gerente comercial Koji Shimomae Bara precisa de três tomadas para carregar equipamentos imprescindíveis para o seu trabalho, no dia seguinte: notebook, celular e o carro. Os dois primeiros, obviamente, não causam surpresa a mais ninguém. Mas puxar o fio do carregador do automóvel em plena garagem de um prédio comercial na avenida Paulista sempre atrai olhares curiosos dos vizinhos.
Há seis meses o executivo trafega por São Paulo em um I-Miev, o elétrico da Mitsubishi. O carro pertence à frota da empresa onde ele trabalha. Bara não é, porém, o único a testar a novidade. A Nissan, interessada na venda de modelos movidos a eletricidade, está promovendo uma caravana de test drives pelo país para fazer o brasileiro dirigir o seu modelo Leaf.
Um ano após o governo federal ter desistido de criar um programa de incentivo ao uso do carro elétrico, o assunto continua em debate. Está ainda limitado a ações isoladas. A diferença é que agora, além das montadoras interessadas, começa a aparecer apoio da área acadêmica e de financiamento à pesquisa. A discussão está longe dos gabinetes de Brasília e também da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos (Anfavea), a entidade que representa o setor. Como se esse tipo de veículo fosse algo novo, distante do tradicional ambiente da indústria automotiva.
Não é apenas na garagem do escritório que Bara tem chamado a atenção. Pelo menos três vezes por semana ele vai com o carro elétrico até o aeroporto buscar clientes. "As pessoas na rua dão até tchauzinho", diz. O público sabe que se trata de um elétrico porque o fabricante faz questão de colocar um grande adesivo na lateral. Bara não tem queixas do carro, que tem autonomia de 160 quilômetros. Ele elogia as "arrancadas" e acostumou-se tanto ao silêncio que o motor do seu carro particular já o perturba. Entre as coisas que não podem faltar hoje no porta-malas: uma extensão de tomada.
Até 2010, o governo federal tinha uma comissão para o programa do carro, mas não está mais ativa
Bara trabalha na divisão de comércio exterior da Mitsubishi Corporation. Embora pertença ao mesmo grupo japonês, no Brasil essa empresa não tem nada a ver com a fabricante dos veículos da marca. O escritório onde Bara trabalha comprou o carro em razão do "compromisso de seu fundador com a questão ambiental".
Vale a pena pagar R$ 200 mil por um compacto que nem é de luxo? As montadoras sabem que não. Por isso, não lançaram esses modelos no país. "Faltam dois passos básicos: regulamentação de tributos e incentivos", diz o supervisor de engenharia e planejamento da Mitsubishi montadora, Fábio Maggion.
No modelo elétrico incide a mais alta carga tributária dos automóveis vendidos no Brasil. O maior dos impostos é o IPI, de 25%, cobrado em modelos de luxo e na categoria "outros" (que abrange o elétrico). Como esses carros são feitos fora do país, há ainda o Imposto de Importação de 35%.
O Leaf, da Nissan chega por R$ 190 mil. O valor razoável para atrair demanda seria, nos cálculos da Carlos Murilo Moreno, diretor de marketing da Nissan, algo em torno de R$ 60 mil. Na Califórnia, graças a incentivos do governo, o Leaf é vendido por US$ 22 mil.
É consenso entre os envolvidos no tema que as cidades também precisam ser preparadas. Moreno lembra que em Paris e Londres já há vagas nas ruas com pontos de recarga. Além disso, já estão sendo feitos nesses países acordos entre as distribuidoras de energia, a exemplo do que fazem as operadores de telefonia celular quando há deslocamento de área.
A Nissan tem acordo de intenção com a Eletropaulo. "Estamos analisando leis e impacto de uma frota elétrica", diz Moreno. Nissan e Mitsubishi têm apresentado seus modelos para autoridades em diversos Estados. E a Nissan seguirá com os test drives até maio.
Até 2010, o governo federal tinha uma comissão para o programa do carro elétrico, ligada à Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda. Mas o fórum não está mais ativo, informa o governo. Na Anfavea também não há nenhum grupo de trabalho com esse objetivo. Fontes do setor confirmam que não há consenso sobre o tema entre as montadoras.
Um dos mais fortes argumentos dos que não querem ver no Brasil tecnologia já disponível no Japão, EUA, Inglaterra, França, Portugal e Israel, é que o país tem o etanol como alternativa. "É engano imaginar que o etanol seria prejudicado", diz James Wright, coordenador do Profuturo, programa de estudos da FIA (Fundação Instituto de Administração), que analisa a viabilidade e desenvolvimento da frota de elétricos. O programa conta com engenheiros, administradores, físicos e economistas da área acadêmica e tem apoio do CNPq. Para Wright, o elétrico serviria a um nicho de mercado, como solução para grandes centros urbanos.
"O Brasil deveria ser o primeiro a adotar essa solução porque é altamente urbanizado, com problemas de congestionamento e poluição em muitas cidades", afirma. Ele sugere, ainda, envolver as motocicletas elétricas, como fez a China, que proíbe motos movidas a combustão em centros urbanos.
Wright considera que um projeto assim pode ser "a oportunidade de o país criar uma indústria genuinamente brasileira". O professor da Fia refere-se às ações já em curso para o financiamento de tecnologia para motores e baterias, peças-chave nesse tipo de veículo. Ele sugere até adotar novas culturas de transporte, como o uso urbano de aluguel, por meio do qual o mesmo carro seria compartilhado por mais de um motorista.
Boa parte dos acordos para o financiamento à pesquisa do veículo elétrico é sigilosa. A Finep - Financiadora de Estudos e Projetos -, vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, também se envolveu. Mas seu objetivo maior é apoiar projetos para o transporte público. Segundo o secretário de energia e biocombustíveis da Finep, Laércio de Sequeira, foram feitas reuniões com consórcios de empresas de ônibus. "Podemos começar com testes piloto. O envolvimento será imperativo diante da questão ambiental." Mas, como ele mesmo diz, o mais difícil "será fazer o casamento do que já está acontecendo".
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